Mudar hábitos exige olhar para dentro. Assim, uma lista de compras para reeducação alimentar não é composta de itens que se compra no mercado, necessariamente. Ela contém, principalmente, atitudes que começam com a abertura para novos prazeres.
Sabe aquela história das crenças e padrões formados na primeira infância que carregamos e tentamos ressignifcar na vida adulta? Pois bem, o mesmo vale para nossos hábitos em relação à comida. Os sabores sentidos na infância têm mais poder do que poderíamos imaginar e nos conduzem inconscientemente em nossas escolhas do que ingerimos. Assim, a ideia de uma lista de compras para reeducação alimentar inclui não só alimentos, mas principalmente, um olhar aguçado para dentro de nós mesmos. Mudar o que comemos significa abrir mão de aspectos psicológicos nem sempre óbvios. Em outras palavras, a reeducação alimentar precisa englobar alimentação e qualidade de vida.
Enquanto gastamos nosso tempo em busca de dietas e mais dietas, nos esquecemos do essencial, que é a nossa relação mais profunda com a comida. Isso porque, nossos gostos nos seguem como uma sombra que nos dá um senso de identidade e segurança. Eles parecem nos dizer quem somos e, talvez por isso mesmo, passamos a acreditar que eles são imutáveis. Assim, fazemos tentativas frequentes – em maior e menor grua – de mudar o que comemos, mas quase nenhum esforço para mudar o que sentimos pela comida.
Lidamos bem com a fome? Somos apegados ao açúcar e a sensação prazerosa ele que nos dá? Quem disse que não funcionamos bem de manhã sem uma xícara de café?
Talvez haja uma convicção quase universal de que não é possível aprender novos gostos e abandonar velhos. No entanto, nada poderia estar mais equivocado. O que você aprendeu (ou se viciou) pode ser deixado para trás, junto com mais um monte de coisas tóxicas que não te servem mais. É nesse sentido mais profundo que alimentação e qualidade de vida se tornam desassociáveis. No nível mais básico, temos que aprender o que é comida e o que é veneno. Temos que aprender quando satisfazer nossa fome e também quando parar de comer. Ainda, quando temos fome de fato ou quando sentimos qualquer outra coisa e achamos que é fome.
Que tal uma lista de compras para reeducação alimentar na 1ª infância?
Vamos do início. Todos os alimentos que comemos regularmente são aqueles que aprendemos a comer. Quando nascemos, tomamos leite. Depois disso, as possibilidades são infinitamente variáveis. São os adultos que nos cercam que vão nos influenciar nessas escolhas, já que não temos condições de fazer as nossas próprias. A questão é que passamos a aceitar veneno como se fosse comida, e isso tem causado uma série de efeitos perturbadores em nossa sociedade: de obesidade à depressão.
Talvez uma lista de compras para a reeducação alimentar na 1ª infância incluísse, alimentos de verdade! Em outras palavras, frutas, verduras, legumes, cereais e toda a gama de delícias que a natureza nos oferece. Ainda, essa lista não contaria com nada industrializado, processado, alterado quimicamente. Em primeiro lugar, uma alimentação equilibrada é composta de comida e não de ingredientes químicos que nem sabemos do que se trata ou o que causam dentro de nós.
O perigo de crescer bombardeados por uma série de misturas industriais doces e salgadas
Não é que somos inatamente incapazes de resistir a elas, mas que quanto mais freqüentemente as comemos, especialmente na infância, mais elas nos treinam a esperar que todos os alimentos tenham sabores similares. Como se criássemos um paladar adequado e viciado aos gostos artificiais criados pela indústria.
No ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) advertiu que os alimentos industrializados para bebês contêm, com frequência, excesso de açúcar e rótulos que geram confusão. “Em quase metade dos produtos examinados mais de 30% das calorias eram de açúcares totais e um terço dos produtos continham açúcar adicionado ou outros agentes adoçantes”, destacou o departamento europeu da OMS. Apesar o estudo apontar os índices de açúcar apenas, é sabido também do abuso do sal e gorduras nos preparados alimentares.
Foram examinados cerca de 8 mil produtos, e deles, 60% dos alimentos considerados inapropriados para consumo pela OMS continham rótulos como aptos para bebês de menos de seis meses. Um absurdo de tanto! A organização deseja acabar com a promoção de substitutos do leite materno e recomenda que a alimentação de crianças entre seis meses e dois anos tenham como base os alimentos ricos em nutrientes, preparados em casa. Ou seja, comida de verdade!
Onde nascem os hábitos que nos impedem de fazer uma lista de compras para reeducação alimentar
Parece que fomos doutrinados a acreditar que crianças possuem uma aversão inata aos legumes e verduras. Mas pense por um segundo: qual a lógica de tal argumento? Cada um de nós, a partir do momento em que somos apresentados a gostos, sabores e texturas, vamos ampliando nosso repertório e observando, de fato, aquilo que nos agrada ou não. Há ainda, alimentos que gostamos mas que, por algum motivo, nosso organismo não digere bem, o que acaba o tornando um tanto nocivo.
Mas voltando ao raciocínio de que crianças já nascem sem pré-disposição para comer aquilo que a natureza produz… Parece que compramos essa ideia de tal maneira que, ao invés de proporcionar a experiência de contato da criança com o alimento, oferecendo à ela naturalmente uma alimentação equilibrada, preferimos nos dar ao trabalho de enganar nossos filhos com estratégias mirabolantes. Assim, nos achamos muito espertos ao esconder o brócolis em uma torta ou a beterraba em um bolo. Mas se a criança não tem relação com a comida, não sabe identificar o sabor do que comeu, ao crescer fará a escolha de comer torta e bolo e não brócolis e beterraba!
Aprendendo novos hábitos
Uma vez que aceitamos que comer é um comportamento aprendido, o desafio não é captar informações, mas aprender novos hábitos. Os governos continuam tentando consertar a crise da obesidade com recomendações bem-intencionadas que buscam uma alimentação equilibrada. Mas o bom conselho nunca ensinou uma criança a comer melhor, por que funcionaria com um adulto? A maneira como você ensina uma criança a comer bem é através do exemplo que dá, do entusiasmo da sua própria relação com o alimento e por meio da exposição a boa comida.
Como adultos, ainda podemos nos recompensar com guloseimas, assim como faziam os nossos pais. Mas talvez ainda não tenhamos enfrentado pré-conceitos de comidas que nos dão nojo, por exemplo, (como a babinha do quiabo ou de inhame), e sigamos jogando-os embaixo da mesa quando ninguém está vendo.
A busca pelo prazer
Essa recompensa que queremos nada mais é do que a busca pelo prazer. Visto através das lentes da psicologia comportamental, comer é uma forma clássica de comportamento aprendido. Há um estímulo – um bolo mousse de chocolate. E há uma resposta – seu apetite por isso. Finalmente, há reforço – o prazer sensorial e a sensação de plenitude que comer o bolo lhe proporciona. Esse reforço encoraja você a procurar mais bolos sempre que tiver a chance e – dependendo de quão bem você se sinta depois de comê-los – a escolhê-los em relação a outros alimentos no futuro. Assim, se você ganhava doce por bom comportamento, porque seus pais eram ausentes, porque você estava chateado com algo ou por qualquer outro motivo, a tendência é que continue procurando avidamente por essa pílula mágica que cura “todos os males”.
A questão biológica e social
Como se não bastasse, ainda entra em cena a questão biológica em relação ao comportamento aprendido. Sabemos que grande parte desse aprendizado em busca de alimentos é impulsionado pela dopamina, um neurotransmissor conectado à motivação. Este é um hormônio que é estimulado no cérebro quando seu corpo faz algo gratificante, como comer, beijar ou dar risada. A dopamina é um dos sinais químicos que transmitem informações entre os neurônios para dizer ao seu cérebro que você está se divertindo. Dessa forma, quando é liberada, “influencia” nossas preferências de sabor e as transforma em hábitos.
Por fim, ainda existe mais um fator que torna ainda mais complexa a reeducação alimentar e a adoção real de uma alimentação equilibrada. Em nossas vidas, o comportamento estímulo-resposta em torno da comida é tão complexo quanto o mundo social em que aprendemos a comer.
Cálculos apontaram que quando chegarmos aos 18 anos, teremos 33.000 experiências de aprendizado com alimentos (com base em cinco refeições ou lanches por dia). O comportamento humano não é apenas uma questão clara apenas de sugestão e consequência. Assim, não aprendemos só com os alimentos que colocamos em nossas bocas, mas também com aqueles que vemos os outros comendo, seja em casa, na rua ou na TV. Então, mesmo que tudo corra muito bem dentro de sua casa quando criança, você será exposto a muitas outras tentações.
Para a escritora Bee Wilson
A autora do livro “Como aprendemos a comer: porque a alimentação dá tão errado para tanta gente e como fazer escolhas melhores”, afirma: “tentar controlar sua resposta à comida é uma atividade solitária, considerando que a vida moderna é cheia de comida, real e imaginária. Guloseimas nos tentam perto dos caixas de lojas e mercados; banquetes fictícios nos provocam nos outdoors, nos jornais e programas de culinária na TV”.
Por onde começar a lista de compras para reeducação alimentar?
Antes de mais nada, reconhecendo que nossos gostos alimentares foram aprendidos e são mutáveis. Depois, observando-os com lente de aumento, como fez uma amiga, quando mesmo se propondo a ser vegetariana há anos, não conseguia resistir a hambúrgueres eventualmente.
Ela me contou: “Um dia entendi que comer hambúrgueres era algo que fazia com a minha mãe nos finais de semana. Era um momento só nosso, de alegria e encontro. Deixar isso para trás era como deixar de ter bons momentos a sós com minha mãe”. Ao ir de encontro à sua memória afetiva, organizou os próprios sentimentos e deixou de se trair em sua escolha de não comer mais carne. “Hoje, um hambúrguer é só um hambúrguer, não é mais uma tentação”.
O prazer atrelado à alimentação equilibrada
Há quem consiga tomar um sorvete em um dia quente sem precisar se punir por isso; que recusam tranquilamente um sanduíche porque ainda não é hora do almoço; que comem quando estão com fome e param quando estão cheios; e que sentem que uma refeição sem vegetais não é realmente uma refeição. Essas pessoas aprenderam as habilidades alimentares que podem protegê-las neste ambiente com abundância de ofertas duvidosas. Elas não precisam se privar porque foram educadas a escolher por uma alimentação equilibrada.
O pesquisador holandês EP Köster, que passou décadas estudando por que fazemos as escolhas alimentares que fazemos, acredita na mudança alimentar por meio da busca do prazer. “Os hábitos alimentares podem ser alterados quase que exclusivamente pelo reaprendizado através da experiência”. Ou seja, se queremos reaprender a comer, precisamos nos tornar crianças novamente. Os maus hábitos alimentares só podem mudar se ressignificarmos o que nos dá prazer.
“Se experimentarmos alimentos saudáveis como uma coerção – como algo que requer força de vontade – o prazer se perde”, e sem ele, nada pode ser gostoso.
Lista de compras para uma reeducação alimentar na fase adulta
Nesse sentido, há pelo menos oito itens (ou atitudes) que poderiam nos beneficiar bastante se nos abríssemos um pouquinho à mudança. Porque na verdade, comer bem não se trata de ser magro. Trata-se de alcançar um estado em que a comida é algo que nos nutre e faz felizes, em vez de nos machucar ou atormentar.
Para Bee Wilson, “é se alimentar como um bom pai: com amor, com variedade, mas também com limites”.
Bee Wilson
Assim sendo, a lista de compras para uma reeducação alimentar, talvez seja, na verdade, um conjunto de ações, ou pelo menos, um combinado delas.
Vamos a ela:
- Se abra para experimentar uma nova variedade de alimentos. Na prática, isso significa que você pode comprar, toda semana, um número X de coisas que você nunca comeu (pode ser 1 itenzinho de nada, ok?) e se dar ao luxo de comer pela primeira vez. Como uma criança que descobre algo novo do mundo a cada dia;
- Observe como você come. Crie um ambiente sensorial para degustação, sem televisão, sem celular. Só você (pode fazer com outras pessoas também) e a comida. Sua única ação é comer e se entregar à essa experiência;
- Siga as refeições do dia: café da manhã, almoço e janta. Ter rotina para comer e um horário dedicado APENAS à sua nutrição, te coloca como protagonista. É você se dando toda a atenção e carinho que merece ter;
- Compre alimentos orgânicos ao invés daqueles cheios de agrotóxicos; assim como comidas frescas ao invés de industrializadas;
- Faça um diário de como se sente após comer determinado alimento. Isso pode te ajudar a encontrar os gatilhos emocionais que te “prendem” a determinados alimentos nocivos. No fim das contas, essa é a grande chave para abrir mão de velhos hábitos e juntar alimentação e qualidade de vida;
- Crie bons momentos atrelados aos novos sabores. Fazer disso uma brincadeira, algo divertido, pode ser transformador.
- Se conecte com seu corpo para entender se está mesmo com fome antes de ingerir algo e qual o tamanho dessa fome. Quando estiver em um restaurante e chegar um prato pronto, isso é um estímulo externo que, não necessariamente, corresponderá à sua realidade interna;
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Com infos dos sites: The Guardian e Correio Braziliense; e dos livros: “Talvez você também goste - Por que gostamos do que gostamos numa era de opções infinitas” e “Como aprendemos a comer: porque a alimentação dá tão errado para tanta gente e como fazer escolhas melhores”.